sábado, 19 de setembro de 2015

Dos caminhos antes do Caminho.


Os dias estão corridos: preparativos finais para a viagem; ajeitar a casa para a amiga que vai ficar hospedada enquanto não estamos; a lida diária, pois o mundo não para enquanto isso; sete cachorrinhos, maltratados e abandonados, na porta de minha casa, precisando de um novo lar; e eu no meio do furacão tentado escolher entre surtar ou repetir o mantra: vai passar.
Escolhi o mantra.
Com isso, não deu tempo de contar como foi o nosso final de semana passado. Começamos bem, já na sexta feira, quando fomos numa reunião dos Curitigrinos.
Para quem não conhece, este é um grupo delicioso que tem aqui em Curitiba para auxiliar quem está a se preparar para fazer o Caminho de Santiago. Desde que os conheci virei fã. São peregrinos a dar dicas e auxílio àqueles que, assim como eu, um dia tomou coragem e disse: vou. O clima dessas reuniões é como nos Albergues: nunca fomos apresentados, mas, nos conhecemos desde sempre.
Pois bem. Levei Theo para conhecer um pouco mais sobre o Caminho de Santiago antes de ir. E foi muito bom. Ele se mostrou interessado e extremamente participativo - pelo menos até o sono bater e começar a quase dormir sentado. Lá também fizemos uma coisa muito importante. Talvez a mais importante antes de começar um Caminho: pegamos a nossa Credencial do Peregrino!!!!
Agora sim, podemos começar!
Isso foi na sexta feira. Sábado tivemos um dia para o descanso, porque domingo era dia de treino.


Os Curitigrinos, além de ajudar com palestras, organizam caminhadas para quem quer treinar andar alguns quilomêtros. E  domingo, dia 13 de Setembro, foi dia de comemorar os 11 anos de fundação (19 de Setembro) e andar aproximadamente 14 km entre dois parques daqui de Curitiba - começamos no Barigui, fomos até o Tingui e voltamos ao Barigui. Confesso que forcei um pouco a barra com o Theo e andamos num ritmo um pouco acima do que será o nosso ritmo diário no Caminho, mas eu queria sentir como ele ficaria após um dia intenso de caminhada. E, para a minha surpresa, passado o mal humor ocasionado por falta de comida - acordamos muito cedo e pouco comemos durante o caminhar -, passado o mau humor, ele estava novo e pronto para outra. Tanto que passou o resto do dia a andar de bicicleta sem reclamar de dores. Na segunda feira tive o receio de que ele iria sentir dores ou cansaço extremo - eu senti...  -, mas ele me surpreendeu mostrando-se mais animado do que o usual para ir à escola.
Enfim, foi uma experiência nova que pode me dar mostras do que nos espera nos Caminhos d'além mar. Valeu a pena. Falta bem pouco agora.







quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sobre as Etapas: 2ª etapa. (Mós - Redondela/Cesantes)


A segunda etapa começará, assim espero, em Mós. Optei em fazer a primeira etapa mais longa para conseguir pernoitar no Albergue de Mós por estar em melhores condições do que o Albergue de Porriño, segundo testemunhos de peregrinos que por lá passaram nesse último verão. Como são mais cinco quilômetros de caminhada, e ao final do dia 5 km viram 15 km, estou contando com a sorte mesmo. Mas, como já disse, só lá poderei saber. Enquanto isso fico com os planos.
Desde Mós são aproximadamente dez quilômetros de caminhada até Redondela. Se estivermos bem até o final, tem a possibilidade de avançarmos mais 3 km e pernoitarmos no Albergue de Cesantes, que é privado, mas nos daria um terceiro dia de caminhada mais curto e mais tranquilo.

Redondela é uma cidade pequena e muito bonita, e quero conhecer um pouco melhor, já que, da primeira vez, fizemos a etapa inteira desde Tuy - foram 35 km de caminhada. Lembro-me de chegar exausta, porém, maravilhada: estava a ter Carnaval de Verão e as ruas estavam tomadas por festa e alegria. Mas, foi somente isso. Chegamos e fomos direto para um Albergue, privado. A cidade estava cheia e, como eram férias, o Caminho também. À essa altura já havia quem acordava mais cedo para correr a buscar lugar nos Albergues públicos. Foi chegar ao Albergue, arrumar o equipamento para o dia seguinte, tomar um banho rápido, comer qualquer coisa, rir um pouco dos pormenores acontecidos durante o dia e dormir o sono dos justos. Pronto.
E foi essa a impressão que tive da cidade: vontade de voltar com mais calma e apreciar um pouco mais.







domingo, 6 de setembro de 2015

Sobre as Etapas: 1ª etapa. (Valença - O Porriño/Mós)

Já tenho definidas as etapas que iremos fazer. Como só sabemos o Camiño ao fazê-lo, pode ser que algo mude. Por ora, escreverei o que temos como planejamento inicial. E, mais para frente, digo como foi.

Começaremos o nosso Camiño na Puente Internacional, entre Valença do Minho e Tuy. Lá será o nosso marco zero. Serão aproximadamente 25 km até Mós, com a possibilidade de pararmos antes em O Porriño (19 km desde o início), a depender das condições físicas de cada um. Escolhi começar em Valença e não em Tuy, para aproveitarmos a história local. A ideia é chegar um dia antes, conhecer a cidade, dormir no Albergue de Peregrinos e iniciar a caminhada pouco antes das sete da manhã. Como será uma caminhada longa, quero começar bem cedo para aproveitar o frescor matutino: é mais agradável e o dia rende mais assim.

Valença do Minho faz fronteira com a Espanha: o rio Minho separa os dois países. Por conta de sua localização geográfica, lá encontra-se uma imponente Fortaleza, cuja construção levou quase cem anos para ser concluída - datada de meados do séc. XII/XIII -, para defesa da povoação, devido a facilidade de travessia pelo rio. 
É uma construção espetacular. Quando lá estive, lembro-me de ficar impressionada - foi a primeira vez que estive numa fortaleza de verdade. Aqui no Brasil temos vários Fortes, e eu, como filha de militar, conheço quase todos eles (sim, isso é programa de férias quando a família tem um genitor de caserna), mas, o que mais me impressionou foi tentar imaginar a vida naqueles tempos. As construções tão bem feitas, que ainda resistem quase mil anos depois, fez-me desejar fortemente ter uma memória de tempos idos, mesmo que não vividos por mim. Reconhecer a História aprendida na escola e nas histórias dos avós ali, tão palpável, não tem preço. Aprender a História caminhando por onde nossos antepassados caminharam é, para mim, a melhor aula que se pode ter. Espero que assim também seja para o Theo que, como eu, tem a curiosidade como mote de vida.





*imagem daqui.



sábado, 5 de setembro de 2015

De como é.



(*tirinha de Liniers)

“No tocante a todos os atos de iniciativa e de criação, existe uma verdade fundamental cujo desconhecimento mata inúmeras idéias e planos esplêndidos: 
a de que, no momento em que nos comprometemos definitivamente, a Providência também se move. Para ajudar-nos ocorre toda espécie de coisas que em outra situação não teriam ocorrido. Toda uma corrente de acontecimentos brota da decisão, fazendo surgir a nosso favor toda sorte de incidentes, encontros e assistência material que nenhum homem sonharia que pudessem vir ao seu encontro. 
O que quer que você possa fazer, ou sonha poder fazer, faça-o! Ousadia contém genialidade, poder e magia. Comece-o agora!" 

(Goethe)







quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Da bagagem.




A hora que mais gosto e menos gosto: arrumar as malas. Gosto porque é sinal de que a viagem já aí está, fico mais animada. O problema está em selecionar o que levar ou não. E, em se tratando da mochila de um peregrino, o problema triplica. 
Na primeira vez que fiz o caminho pesquisei à exaustão na Internet. Fiz um apanhado de todas as dicas. Algumas foram essenciais, outras nem tanto e muitas me foram inúteis. A melhor dica de todas, e eu comprovei, foi: invista no calçado. De nada vai adiantar todo o resto se seu pé está a sofrer com bolhas e tendinites. 
Levar o mínimo essencial e apostar na leveza do equipamento é de praxe - para a vida também, penso eu. Há que se ter espaço na mochila para carregar alguma comida para as etapas mais longas. Ou para guardar 'tesouros' que encontramos pelo caminho. Mas nada de acumulações. Desapego é a palavra de ordem. 
Agora preciso arrumar duas mochilas. A minha, já sei o que levar e, principalmente, o que não levar. Mas, e a do Theo? Confesso que nessas horas a culpa materna bate forte e arrisco colocar um 'casaquinho' a mais na minha mochila (a culpa também não me deixa colocar sobrepeso nos ombros de meu filho) para o caso de um frio inesperado. Até as orações para São Pedro intensificam-se desde já: chuva, pra outro dia. Deixar a mochila dele o mais leve possível é minha ocupação, e obrigação. Quando ele crescer terá seus próprios pesos, bom é que tenha espaço para acomodá-los.
Um exercício de fé, é o que tem se tornado essa viagem: colocar na mochila somente o que basta para nossa sobrevivência. A vida se encarrega de prover, à nós, ela mesma. E isso já basta.



Check list inicial:

Mochila do Theo:

- 1 calça de caminhada leve - de preferência daquelas que tornam-se em bermudas;
- 1 calça um pouco mais grossa, mas ainda leve, para usar após o banho nos Albergues (servirá também de pijama);
- 3 t-shirts de tecido bem leve para as caminhadas diárias (uma delas é como reserva para emergências);
- 3 pares de meias para caminhada (as sem costuras são as melhores);
- 1 par de meia para uso após o banho e manter os pés aquecidos se houver frio;
- 2 camisetas finas e leves de manga longa;
- 1 boné;
- 3 cuecas;
- 1 calça impermeável para os dias de chuva;
- 1 casaco impermeável;
- 1 polar;
- 1 toalha de fralda (daquelas de bebê mesmo - são mais leves e secam muito rápido);
- 1 lençol tipo saco de dormir (são mais leves e mais práticos que carregar sacos de dormir);
- 1 bota;
- 1 croc's (que dá para usar tanto para tomar banhos - não escorregam em pisos molhados - tanto para descansar os pés. Sem contar que é muito leve);
- 1 necessaire com gancho (para facilitar o uso na hora do banho) contendo:
   - escova de dentes (tamanho viagem);
   - pasta de dentes (tamanho viagem);
   - fio dental;
   - sabonete dois em um: corpo e cabelo de uma vez só (envase para viagem);
   - amostras grátis de condicionador (aqueles sachês que se ganham em lojas).
- 1 bastão de caminhada;
- 1 bota de caminhada.

É isso. Por enquanto.


terça-feira, 1 de setembro de 2015

Do começo.



'Onde começa o caminho?' Diria que dentro de nós.

Fiz o meu primeiro Caminho de Santiago, o Português, em 2013. Embora a caminhada tenha sido dura, os sorrisos e conversas ao longo do percurso faziam valer cada quilômetro. Ao chegar na Catedral a sensação de ter o Theo, meu filho mais velho, ao meu lado foi tão grande que senti vontade de voltar com ele. Em 2014 voltei, sozinha ainda, para fazer outro Caminho, o Inglês dessa vez, até Finisterra. Novamente senti Theo comigo adentrando a praça do Obradoiro. E ali, penso eu, começou o Caminho de meu filho. Na viagem de volta ao Brasil vim confabulando comigo mesma a possibilidade de fazer um Caminho com uma criança de 10 anos.
Ao chegar em casa ouço a pergunta que, para mim, mostrou-se ser um sinal de que, sim, era possível. 'Mami, você me leva para fazer o Caminho com você da próxima vez?'

E assim chegamos aqui. Em outubro farei o Caminho pela terceira vez. Theo fará pela primeira. Faremos parte do Caminho Português, saindo de Valença do Minho, Portugal. Adaptei o percurso para que façamos em 7 dias, com a possibilidade de ser mais, a depender das condições físicas e climáticas.

E agora estamos assim: eu a planejar o percurso, ele a imaginar. Eu a arrumar os equipamentos, ele a querer usar já. Ele a fazer todas as perguntas possíveis, eu a achar graça na ingenuidade gostosa e verdadeira da infância. Eu a ficar com o coração apertado com medo de como vai ser, ele numa entrega absurda para a coragem, a contar os dias. Ele, a me ensinar a ser leve. Eu, a aprender com ele o que achava já saber: não somos nós que fazemos o Caminho, é o Caminho que se faz para nós.